5 de janeiro de 2010

O Albatroz Azul

O momento de loucura era quando a pessoa, para não ficar maluca por inteiro, tirava um tempo todo dia para deixar tomar conta de sua cabeça a maluquice que todos carregam, cada um com a sua, por mais disfarçada. Na juventude, a pessoa não distingue bem a loucura da normalidade, pensando e fazendo inúmeras bobagens devido a isso. Os que conseguem chegar à velhice, entretanto, sabem que não adianta achar que são loucos, porque todos são e constitui faina das mais ingratas prender as loucuras dentro de gaiolas desconjuntadas, temendo sempre que elas se soltem. De forma que a pessoa a quem a idade deu um adequado senso da existência tira sempre um tempinho, conforme suas particularidades, para acomodar a loucura, a fim de que ela não se veja presa em demasia e se revolte. (...)

Tertuliano respondeu que nunca tinha pensado nisso e que nunca tivera o momento de loucura, nenhum momento de loucura, que ele soubesse.
- Então eu padeço de loucuras presas, deve ser parecido com urinas e bostas presas - acrescentou Tertuliano. - Vivendo e aprendendo, você agora me deu uma aula, Custódio, bem que pode ser isso mesmo. Se eu não fosse morrer a qualquer hora, eu adotava. Mas nunca fiz isso, de maneira que possa ser que minhas loucuras tenham ficado travadas esse tempo todo e agora resolveram sair. Mas não tem diferença, não muda nada. Assim ou assado, eu tenho que morrer como todo o mundo e tanto faz morrer maluco quanto bom do juízo, maluco podendo até ser melhor, conforme o caso. No meu caso, com quase toda a certeza.

Excerto do livro "O Albatroz azul", o mais recente do escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro.

2 comentários:

Maria disse...

Andamos a ler o mesmo, é?

:)))

zmsantos disse...

Mais um...