13 de outubro de 2009



O António Campos, meu primo, faleceu no passado sábado, aos 38 anos, vítima de uma infecção que o corpo não conseguiu debelar, devido ao facto do Tó ser seropositivo.

Nunca lhe cheguei a perguntar como se tinha tornado seropositivo, mas não me custa acreditar que tenha sido através da partilha uma agulha infectada, dado que o Tó viveu grande parte da sua vida adulta subjugado ao consumo de droga.

E aqui bloqueio, porque apresentados os factos, fica muita coisa por dizer, mas as ideias saem confusas, sobrepõem-se, atropelam-se.

Não me apetece o refúgio dos lugares comuns, o Tó não o merece. A verdade é que ele era um ser humano fantástico, com um coração enorme. E talentoso, muito talentoso! Teve dezenas de empregos, que abandonou sempre em prol do vício, mas em todos deixou saudades e em muitos foi mesmo readmitido, mesmo depois de falhas graves.

O funeral estava cheio de gente, e alguns houve que não conseguiram ir. Desde a família que tudo lhe perdoou porque conhecia a sua essência, e amava o homem que ele era, aos amigos que foi coleccionando pela vida fora, aos colegas do actual trabalho, onde tinha estabilizado nos últimos anos, fruto do tratamento de metadona.

Emocionou-me muito reencontrar a sua ex-namorada. Conheceram-se ainda adolescentes, tiveram uma relação longa que se foi desgastando a cada trambolhão que o Tó dava com relativa frequência, até que há alguns anos a Dina percebeu que tinha que seguir a sua vida. É hoje mãe de duas filhas, reconstruíu a sua vida, mas chorou amargamente a partida de alguém que a marcou profundamente.

Há alguns meses visitei-o no hospital. Lembro-me de a meio da conversa me ter confidenciado que ainda tinha esperanças de encontrar alguém para partilhar a vida e de, quem sabe, ter filhos.

Para além da dor de saber que não mais poderei falar com ele e abraçá-lo, dói-me muito o facto de ter partido tão cedo, e de ter desperdiçado um bocado grande da sua vida a alimentar um vício que o foi destruíndo aos poucos. Um desperdício que me revolta e me traz à ideia pensamentos pouco edificantes sobre os que vão enriquecendo nesse sub-mundo nojento do tráfico de estupefacientes.

Consolo-me pensando que a esta hora está de volta da Avó Ema, de quem tanto gostava. Tal como ela, era um resistente e um lutador. Os médicos impressionaram-se com ele nos últimos dias, porque todos os seus orgãos cederam menos o coração e o cérebro. Agarrou-se à vida enquanto pôde e deixa muitas, muitas saudades!

Até qualquer dia, primo!

Amo-te!

8 comentários:

Leticia Gabian disse...

Esta indústria das drogas é uma sucursal do inferno, mas só para quem mergulha nela como usuário e para os que vivem em torno (amigos, família, colegas de trabalho, vizinhos e etc.). Só há lucro seguro para os generais do tráfico... Estes, enriquecem às custas do declínio de quem sucumbe aos "encantos" desse mundo obscuro.

Grande pena, querido amigo!
Imagino todos os sentimentos que dançaram dentro de ti...

Um beijo grande nesse teu coração

A CONCORRÊNCIA disse...

Está com certeza bem melhor na companhia da Avó Ema. Acabou-se o sofrimento para ele. Geralmente a vida é ingrata e embora ninguém merece tanto sofrimento, faz sofrer de mais os que menos merecem sofrer.

Beijo

José Manuel Gomes disse...

Rogério, os meus profundos e sinceros pêsames pela perda do teu primo. Talvez haja um poema sem fim para o teu primo ler nos serões da Eternidade.
Acredito que sim.

Abraço,

José Gomes

Maria disse...

Nunca me conformo com partidas antes de tempo. Por isso não tenho as palavras certas para ti.
Apenas o meu forte abraço...

MisteriosaLua disse...

O amor é um dos sentimentos mais lindos que conheço!...

Anónimo disse...

Todos falamos de vicios...
Todos nós temos vicios...
Todos desejamos não ter tão tramados vicios...
Sei o que sentes...
Estou preparado...
Sei que também irei ter saudades...
E etc...etc...etc...
Lamento!
Aquele abraço!

Andreia Cristina Vilarinho Flórido disse...

A última vez que estive com o primo Tó, foi no almoço que fizemos, da avó Ema.
Nesse dia, ele estava tão feliz, porque grande parte da familia estava reunida naquele almoço.
No almoço da avó Ema!
Rimos, conversamos, brincamos, partilhamos..
Foi um dia muito feliz para todos.

Não direi adeus,
Até já primo!
Andreia

Rita disse...

São momentos sempre dolorosos. Falaste-me dele algumas vezes e conhecendo o primo, tenho a certeza que o Tó era uma excelente pessoa.
Beijos e os meus sentimentos,
Rita