16 de novembro de 2011

Um adeus em forma de arco-íris

O sentido de humor sempre foi um dos meus melhores amigos, a que recorro frequentemente, principalmente em situações constrangedoras.

A mesa estava cheia, e quando me apercebi que ainda não tinha memorizado o seu nome, apesar de já a conhecer há algum tempo, arrisquei chamar-lhe Tia Glicémia! Toda a gente se riu, ela também. E foi nesse dia que a minha parvoíce e falta de memória rebaptizaram a Tia Gicélia.

A Tia partiu deste mundo no passado domingo, aos 91 anos. Era uma mulher doce, meiga e muito correcta. Foi professora primária, das que em tempos de reguadas e castigos tratava os seus alunos com carinho e tentava disfarçar a miséria em que viviam. Deixou a sua vocação por amor, embora não tenha sido correspondida. Não teve filhos, mas tratou a filha, o genro e os netos da sua irmã como seus. E aqui sim, foi totalmente correspondida.

Há algum tempo o seu cérebro acusou o cansaço de tantos anos vividos, e lentamente começou a levá-la para outro mundo. Os primeiros meses que a visitámos no lar eram dos momentos mais divertidos da semana. A distância da irmã refilona tinha-lhe soltado a língua, e passávamos horas a rir com as coisas que dizia, e com as confusões que por vezes fazia.

Depois foram-se agravando as ausências e a falta de voz, mas ainda assim, as poucas palavras que se lhe ouviam eram de uma grande ternura e elegância. Ainda ontem alguém que com ela privava há muitos anos me dizia: nunca lhe ouvi uma palavra mais dura, áspera ou desagradável.

No dia em que foi a enterrar, o sol e a chuva não quiseram faltar, e juntos formaram um dos mais bonitos arco-íris que vi na minha vida. Poucos minutos antes do seu corpo descer à terra, ele ali estava, mesmo de frente para nós, a mostrar-se de uma ponta a outra. Gosto de acreditar que foi o universo a despedir-se de alguém que deixa muitas saudades...

4 comentários:

Maria disse...

Beijo-te.

Quita disse...

Somos efémeros, perecíveis. O que fica são memórias e textos assim.

Até sempre.

A CONCORRÊNCIA disse...

Vai-me fazer tanta falta a paz que me transmitia ... Obrigada Rogério, ela era mesmo assim como a descreveste aqui, e até na morte nos transmitiu paz naquele maravilhoso arco-íris...

José Manuel Gomes disse...

A memória é o bálsamo que imortaliza.