11 de dezembro de 2010

Romance de uma conspiração (II)

"O pai nunca conversara com ele propriamente sobre revoluções. Tinha um discurso do «contra», por razões de liberdade e cultura. Mas quando criticava alguém ou alguma situação e o Pedro lhe perguntava, por palavras suas, qual seria a alternativa, o pai embatucava ou mudava de conversa. Mas nos valores da liberdade não cedia nem tergiversava. Como na independência. Pensamento livre de um cidadão particular, assim é que era, como ele próprio fazia por ser. Foram esses valores que procurou transmitir ao filho, pelo exercício, a coerência, pela valorização da cultura, pela tolerância, pelo respeito pelos outros, pelo espírito de intervenção cívica. Não lhe fazia discursos nem lhe dava lições. Conversava, contava-lhe histórias da vida, dava-lhe a ler situações de ficção literária e citava-lhe casos exemplares de cidadania."

(...)

" - Mas sabe o que lhe acontece por não falar, não se exibir, não tomar partido nas discussões? - perguntou o capitão.
- O que é que acontece?
- Os revolucionários dizem que você não fala porque é contra-revolucionário. E vice-versa.
- Eu sei. Mas eu não tenho necessariamente de ser disto ou daquilo - avançou Pedro. - Tenho ideias próprias, umas vezes concordo com uns, outras vezes com outros, às vezes com nenhum.
- Então experimente ir ali dentro, pedir a palavra e dizer isso - ironizou o oficial. - E vai ver o granel que se arranja.
- Não vou - declarou o Pedro. - Se algum dia tiver de andar à porrada, que seja por alguma coisa que valha a pena.
Despediram-se amigavelmente. Se tivesse de escolher um herói, aquele oficial de cavalaria, meia dúzia de anos mais velho do que ele, seria o herói do Pedro. No dia decisivo, o que decidiu a revolução foi a acção e a coragem do capitão que avançou sozinho, com uma granada de mão no bolso da farda de trabalho, para os tanques que tentaram travar a acção militar. E dois dias depois, terminadas as operações, sem promoções nem holofotes, voltou para o quartel."

(...)

" O Pedro e o pai tinham uma brincadeira privada, entre muitas outras: classificar as pessoas pela forma como apertavam a mão. O aperto de mão do coronel era do «tipo enguia: mão fria e escorregadia», sinal de deslealdade, de falta de frontalidade, de alguém que tem alguma coisa a esconder e teme que os outros a leiam nos seus olhos ou a sintam nas mãos."

Excertos do livro "Romance de uma Conspiração", de João Paulo Guerra. (Edição Oficina do Livro)

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