21 de dezembro de 2009

Jogo de espelhos - Vitória!

"Não acredito na vida depois da morte. Mas de cada vez que as bancadas da Luz se agitam e gritam "golo" gosto de pensar que, algures, o meu pai continua a levantar os braços, a sorrir e a abraçar quem ao lado dele estiver a assistir ao jogo. Quantas e quantas vezes não nos vimos nos braços um do outro, empurrados pela cabeça do Rui Águas, pelo instinto do Magnusson, pela genialidade de João Vieira Pinto, pela magia do Rui Costa, pela subtileza do Nuno Gomes e por tantos predicados de tantos e tantos outros. E também quantas e quantas vezes não voltámos para casa cabisbaixos, muitas vezes em silêncio, numa cumplicidade encarnada, depois de um ou outro deslize.


O meu pai morreu há cerca de cinco anos, a 2 de Outubro de 2004. Chorei. Muito. Nessa manhã. Ao longo do dia. No velório. À noite na cama. Em muitos dos dias que se seguiram. Mas - esta é a mais pura das verdades - houve um momento em que as lágrimas correram mais densas que nunca. Mais carregadas de saudade. Aconteceu quando o carro funerário, que transportava o corpo em direcção ao Cemitério dos Olivais, passou em frente à nossa Luz. Pode parecer incompreensível e irracional, mas a noção de que não mais voltaria àquele estádio com o meu pai e a consciência de que nunca mais poderia festejar com ele uma vitória apertou-me demasiado o coração. Foi nesse instante que verdadeiramente se abateu sobre mim a noção de perda.



Meses depois, no final dessa época, seríamos campeões. Estava no Estádio da Luz quando o Luisão empurrou a bola para o fundo da baliza do Sporting e nos colocou muito perto do título. Sentada a meu lado estava a minha mãe e atrás de mim um amigo que me abraçou e me disse em êxtase: "Este é para o teu pai!Este é para o teu pai!". Senti nos lábios o toque de uma lágrima. Tinha um travo a alegria e a saudade ao mesmo tempo. Imaginei o abraço do meu pai. Vi o seu sorriso. Senti a sua felicidade.


Quando por fim festejámos o título, na última jornada, eu estava no Funchal. Fui ver o jogo sozinho a um bar na Marginal. Ao soar o último apito as ruas encheram-se de uma euforia vermelha. Por impulso, pedi duas cervejas e dirigi-me para a praia. Brindei em pensamento com ele. Voltei a abraçá-lo e festejámos juntos. Ainda tenho uma pequena pedra vermelha que descobri na areia e que trouxe como recordação dessa noite. Mais uma vez senti nos lábios um misto de alegria e saudade.



Quem o conheceu sabe o tamanho que o coraçãodo meu pai tinha. A ternura dos seus gestos. A bondade dos seus actos. Sofria a bom sofrer com o Benfica, desesperava com as bolas no poste, rejubilava com as vitórias, entristecia com as derrotas, mas sabia sempre reconhecer o mérito dos vencedores. Também no futebol, como em tudo na vida, foi um homem bom e apaixonado. Devo-lhe esta deliciosa doença de ser benfiquista, mas também lhe devo o desportivismo que julgo ter. E ao Benfica devo incontáveis momentos passados entre pai e filho. Obrigado, Benfica. Obrigado, pai. E - julgo que citaste estes versos de Camões no discurso que fizeste na inauguração do novo estádio - "se lá no assento etéreo onde subiste, memória desta vida se consente", também sei que te recordas de mim em cada golo."



Artigo de José Fialho Gouveia, jornalista, filho de um conhecido apresentador de TV com o mesmo nome, publicado na revista "Mística".

E que felizes terão ficado ontem pai e filho! Felizes e orgulhosos com a equipa pela fantástica vitória!!! Não foi uma exibição deslumbrante, nem uma vitória esmagadora, nem o podia ser tendo em conta todos os precalços que condicionaram a equipa para este jogo. Muitos quiseram encarar as ausências de vários jogadores fundamentais como desculpas de mau perdedor, mas mesmo sem dois dos melhores jogadores da actualidade (Di Maria e Aimar), sem as três principais alternativas ao onze (Rubem Amorim, Fábio Coentrão e Sidnei), com vários jogadores com problemas físicos (Ramires, David Luiz e Luisão), mesmo assim a equipa soube jogar como um colectivo, ser inteligente, lutadora e ganhar à equipa que tem dominado o futebol português nos últimos anos e que vinha na máxima força e moralizada com vitórias! Palmas ao treinador que tem construído um grupo cada vez mais sólido e convincente!

Nota: Muito curiosa a forma como alguma imprensa quis "inventar" um penalty que nem o próprio Hulk, nem ninguém do Porto reclamou! Tiveram azar, porque na segunda parte houve mesmo um penalty não assinalado, mas a favor do Benfica! Era tempo de os jornalistas serem mais cautelosos nas suas intervenções, e de perceberem que também ajudam ao clima inflamado que se vive permanentemente no futebol, e que muitas vezes resulta em falta de civismo...

7 comentários:

Maria disse...

Tens o condão de às vezes me pôr a chover. Agora foi com o artigo do filho do FG. Que coisa...

Pedro Branco disse...

Sabes que te digo, meu irmão?

Que lindo tudo isto. E que se lixe o resto!

Ir à Luz, senti-la cheia assim desse vermelho ternura que se conta aqui é bonito. Um calor inexplicável, sim. Mesmo que não seja o meu, é a força do espectáculo dentro do próprio espectáculo. Pena é que os "artistas" nem sempre tenham esse respeito por isso e não sintam a obrigação de serem geniais e tudo por vezes seja mais que um simples jogo para ser um negócio mais que obscuro. Disso não gosto. Nem dos negociadores. Sejam eles de que cor.

Abraço-te.

zmsantos disse...

Era bom que o futebol, mesmo nas derrotas, nos trouxesse a paz e a união, e que a necessidade de fazer melhor não fosse à custa de manobras fora do rectângulo.
Que sirva para nos fazer reviver bons momentos passados entre aqueles que já partiram. Pelo menos...

Abraço.

Goncalo disse...

- Dois dos melhores jogadores da actualidade???
- Três principais alternativas ao onze????
- Vários jogadores com problemas físicos????

Realmente, parece que não é apenas a imprensa que gosta de inventar!!!

O que eu vi foi o magnifico e "grande máquina de futebol" que é o benfica a derrotar EM CASA e apenas por um zero um clube que pouco ou nada jogou e que ainda dominou a segunda parte num jogo feio, "atabalhoado" e sem quaisquer parecenças com um verdadeiro jogo do titulo!!!

Fialho Gouveia: grande senhor que deverá estar bastante feliz com tão bonitas palavras expressas pelo seu filho. Muito bonito!!

Rogério Charraz disse...

"Goncalo", tem calma, não é preciso tanto ponto de interrogação e de exclamação. Experimenta, em vez de repetir a pontuação, fundamentar com ideias as tuas afirmações.

Goncalo disse...

As ideias estão bem fundamentadas nas afirmações anteriores. No entanto, se não queres ver o óbvio bem posso afirmar o que quer que seja (com ou sem pontuação) que irás sempre acusar-me de falta de fundamento:

Não é o benfica que faz mexer o Pais?
Não é o maior clube de Portugal?
Não tem mais sócios e adeptos que qualquer outro?
Não tem o maior estádio ?(costumo ouvir chamar-lhe catedral)
Não tem, esta época, um plantel sensacional que despacha com goleadas os seus adversários?

Então como pode ser considerado como "fantástica vitória" um jogo com resultado de 1-0, jogado em casa com 50000 fervorosos adeptos, que nunca deixou de ser desinteressante e que, como vimos na 2ª parte, bem podia ter acabado empatado...

Com reacções destas, fico a pensar que são os próprios benfiquistas que estão a diminuir o benfica ao considerarem como fantástica uma vitória por um escasso golo sobre o seu rival mais directo num jogo jogado em casa. Penso que esta vitória deveria ser encarada como normal e até banal.

Mas isto é apenas a minha opinião, espero que não leves a mal e desejo para ti e para os teus um feliz Natal e um 2010 com tudo aquilo que desejas!

Rogério Charraz disse...

Não Gonçalo, a mim não me parece nada óbvio o que escreveste.

Em primeiro lugar não percebo o que é que o facto do Benfica ser o clube com mais sócios tem a ver com o resto.

Em segundo lugar eu nunca vi o futebol de modo simplista, e portanto não existe nenhuma equipa no mundo que "despache os adversários" todos com goleadas, nem o Barcelona que o ano passado ganhou tudo.

Em terceiro lugar, e é a história que o diz, entre Benfica, Porto e Sporting qualquer vitória é fantástica, porque são tradicionalmente as melhores equipas em Portugal, que se moralizam nestes jogos.

Em quarto lugar, e isto sim, parece-me óbvio, cada jogo é condicionado pelas condições em que é disputado. O jogo de domingo nunca poderia ser um grande espectáculo pq foi disputado num campo em muito mau estado, debaixo de condições climatéricas muito difíceis. O Porto vinha de várias vitórias, e tinha encurtado a distância para Benfica e Braga nas últimas jornadas. Vinha portanto moralizado e sem baixas quer por lesão, quer por castigo. Tinha ainda a seu favor a história recente, já que é tetra campeão e raramente tem perdido na Luz.
O Benfica vinha de um empate para o campeonato, dos 14 jogadores mais utilizados esta época, 5 não jogaram e outros 3 não treinaram durante a semana por lesão. No onze titular um dos jogadores estreou-se no campeonato e outro acabou de regressar de lesão prolongada. Tudo isto não são opiniões minhas, são factos.

Por tudo isto, não foi uma vitória banal, nem normal. Assim como não tem sido normal chegar ao fim do ano com mais 4 pontos que o Porto, já para não falar do Sporting...

Mas claro, esta é a minha opinião.

Bom Natal e bom ano para ti também. E sê bem-vindo a esta humilde chafarica...