1 de outubro de 2008

A ler

«Aos 10 anos todos nos dizem que somos espertos, mas que nos faltam ideias próprias. Aos 20 anos dizem que somos muito espertos, mas que não venhamos com ideias. Aos 30 anos pensamos que ninguém mais tem ideias. Aos 40 achamos que as ideias dos outros são todas nossas. Aos 50 pensamos com suficiente sabedoria para já não ter ideias. Aos 60 ainda temos ideias mas esquecemos do que estávamos a pensar. Aos 70 só de pensar já no faz dormir. Aos 80 só pensamos quando dormimos.» A mão tomba-lhe num inesperado abatimento e Bartolomeu sacode a cabeça como que surpreso pela sua própria criação.
- Munda diz que isto não é da minha autoria. Mas eu escrevi isto a bordo do Infante D. Henrique. Eu lá também sofri de poesia.
O português contempla o velho com comiseração. A inexistente folha de papel que lhe pende do braço pesa mais do que ele pode suportar. E ele mesmo, Sidónio Rosa, se sente subitamente envelhecido. A idade é uma repentina doença: surge quando menos se espera, uma simples desilusão, um desacato com a esperança. Somos donos do Tempo apenas quando o Tempo se esquece de nós.

Extracto de "Venenos de Deus, Remédios do Diabo", de Mia Couto

2 comentários:

A CONCORRÊNCIA disse...

Ainda bem que já não tenho ideias.
Ter ideias ás vezes cansava-me tanto ...

Beijos Amigo

Princesa Isabel disse...

Grrrrrrrrrrr!