22 de julho de 2008

Dignidade Humana

Nunca gostei de ver pessoas a pedir na rua. Mesmo sabendo que nalguns casos não é a necessidade que os move mas o vício, a preguiça ou a falta de carácter, fico triste quando vejo alguém de braço esticado a suplicar ajuda, porque também sei que existem casos verdadeiramente trágicos, gente que perdeu tudo e não teve onde procurar auxílio. Impressionam-me particularmente os idosos e as crianças, porque para além de mais indefesos estão numa fase da vida em que ninguém devia ser sujeito a essa violência.


Neste aspecto, como em muitos outros, saio à minha mãe, cuja sensibilidade nunca lidou bem com a miséria dos outros. Desde pequeno que me habituei a ver uma cigana bater à porta e perguntar pela minha mãe. Levava sempre comida, roupa que já não nos servia, para os muitos filhos que tinha, e chegou mesmo a herdar alguns electrodomésticos e mobiliário a que já não dávamos uso. Era uma relação tão antiga que cheguei a vê-la sentada na cozinha, a tomar café com a minha mãe.


Já o meu pai adoptou a máxima "paga o justo pelo pecador", desde que tomou conhecimento da história de um pseudo-mendigo que andava a pedir nas ruas de Lisboa e tinha um prédio inteiro arrendado, nunca mais deu uma esmola e proibia-nos de o fazer. Sempre foi muito céptico quanto à crença na humanidade dos seres.

Sempre que faço compras num dos supermercados da zona, encontro um homem a dois passos da porta do centro comercial onde está instalado o estabelecimento, a pedir umas moedas para comer. Acabo sempre por lhe dar uma moeda, embora por vezes sinta a tentação de lhe comprar comida. É certo que, não o conhecendo, corro o risco de estar a alimentar-lhe um vício, mas também acho que ele deve ter o direito de escolher o que quer comprar com as moedas que ganha sujeitando-se a vergar a sua dignidade.

No ultimo fim-de-semana, ao passar pelo dito homem, deparei com uma cena que me entristeceu e me fez escrever estas linhas. Vinha a sair do centro comercial um senhor que devia ter uns sessenta anos, com um saco de compras, que ao pedido de umas moedas se virou para o pedinte respondendo: "Se não tivesse vergonha, estava aí no seu lugar!". Não o disse com ar de gozo, nem de com ar de reprovação, mas tinha na voz a tristeza de quem vive contando migalhas para se ir mantendo à tona de água. Disse-o com a convicção de que só mesmo a vergonha o impedia de se render à humilhação da mão estendida.

Enquanto nós vamos apontando baterias a novos brinquedos que satisfaçam o nosso ego, muita gente vai perdendo a dignidade de ter vergonha.

2 comentários:

Leticia Gabian disse...

Amigo Rogério,
Também me pego balançada entre o ato de dar a moeda ou a comida e a incerteza quanto à veracidade do que se me apresenta.
Por aqui, é comum os pais (na maioria das vezes, viciados em drogas) deixarem os filhos nas sinaleiras (muitas vezes arriscando as pobres vidas entre os carros) a pedirem esmola.
Nem o Estado, nem a sociedade, se mexem de forma eficiente pra minimizar este quadro. Então, o "cada um faça a sua parte" é mesmo o que mais se aproxima de uma solução ou, na pior das hipóteses, é o que consegue apaziguar nossas consciências.
Um beijo no coração

Maria disse...

Muito lúcido este post, retratando de forma inequívoca uma realidade cada vez maior e mais triste no nosso país...
Obrigada, Rogério. Tenho para pensar...

Um beijo