23 de janeiro de 2008

Pela mão do escritor

Gosto daqueles lugares onde não se passa nada. Evidentemente, gosto deles enquanto passo, passo a passo, num passeio lento, ou sobre rodas, num rápido deslizar. Gosto do silêncio estático, da luz parada, nos vários tons da ferrugem – uma velha fotografia manchada de lágrimas.

(…)

Um caminho estreito, em terra batida, corria paralelo aos carris do comboio. Depois curvava à direita e ia dar a uma casa em madeira. Não reparei imediatamente na casa porque tinha a mesma cor da terra. Um vermelho convulso. Largas janelas abertas. A luz, numa rajada, iluminou um rapaz negro, alto e anguloso, dentro da casa, sentado num sofá. Acenei para ele e o rapaz retribuiu o aceno. Pensei, como penso sempre quando encontro um lugar assim: «Eis uma casa onde seria bom viver.» Depois imaginei-me a viver dentro da casa, um dia, um mês inteiro, a ver passar os comboios, a contar os comboios, a acenar para os passageiros distraídos no vagão-restaurante, e saí porta fora, horrorizado. Sim, gosto dos lugares onde não se passa nada, mas gosto deles apenas enquanto passo.

(…)

- Tenho um amigo que nunca saiu da pequena cidade onde nasceu e conhece o mundo inteiro através da poesia. É capaz de falar horas seguidas sobre Alexandria, os gregos de Alexandria, e com um tal sentimento que as pessoas se comovem. Perguntam-lhe quanto tempo viveu no Egipto, ou se foi de férias. Não, leu Kavafis.
Pode ser que tenha razão. Afinal, o que permanece em nós depois que a viagem termina? Em mim, invariavelmente, menos que o singelo verso. Imagens dispersas, a memória difusa de um cheiro ou de uma cor. Além disso, como lembra Jordi, a poesia é barata e relativamente segura. Ninguém contrai malária ao ler os versos de Rui Duarte de Carvalho. Deviam produzir guias de viagem que fossem, simplesmente, colectâneas de poesia.


Excerto de “AS MULHERES DO MEU PAI”, de José Eduardo Agualusa

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