3 de janeiro de 2008

Pela mão do escritor

«Como podes apaixonar-te por alguém que não conheces?!», aborrece-se a minha mãe. Precisamente, digo-lhe, ninguém se apaixona por um conhecido. O que eu acho, aliás, é que a paixão termina no momento em que se conhece o outro. Creio que era Nelson Rodrigues que dizia que se todos conhecessem a intimidade uns dos outros ninguém cumprimentaria ninguém. Evidentemente, existem depois aquelas mulheres que nos seduzem pelo brilho do pensamento. Ainda neste caso o momento em que viramos a última página. Reler um clássico pode ser um exercício agradável, sem dúvida, mas descobrir um jovem autor suscita outra emoção. As mulheres que pensam são as mais perigosas (espero que este meu diário não caia nunca nas mãos de uma mulher).

(...)

Lili tem um rosto oval, cheio de sardas, e uma indómita cabeleira vermelha. Usa um piercing no lábio inferior. Quando se debruça vejo-lhe os bicos dos seios sob a t-shirt larga. Tem sinais no peito, mas não sardas. É como se as sardas fossem pequenas flores douradas que só se abrissem em pleno sol. Fico a pensar se será ruiva também na intimidade.
Entendem agora? A imaginação é que nos perde.


Excertos de "As mulheres do meu pai" de José Eduardo Agualusa

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