10 de dezembro de 2007

Pela mão do escritor

O amor, a morte. Palavras tão próximas, já repararam?, sendo o fim do amor o princípio da morte. Há anos que penso nisto. Curiosa coincidência fonética, ou então, para aspirantes a cabalistas e outros que tais, não sendo esse o meu caso, o rabo de fora de um gordo gato metafísico. Não existe amor, um grande amor, sem que o ronde, persistente, a fria sombra da morte. Pedro e Inês. Romeu e Julieta. Orfeu e Eurídice.
No meu caso também foi assim. Tive um grande amor e perdi-o. Não teria sido um grande amor se o não tivesse perdido. Penso nele constantemente. Deito-me, para dormir, e vejo-o. Adormeço e vejo-o. Acordo e vejo-o, adormecido, ao meu lado. O meu erro. O meu pecado.
O escândalo que destruíu o futuro que a minha mãe sonhou para mim. Hoje, não consigo amar ninguém, entregar-me com verdade e paixão a quem quer que seja, pois por mais que me esforce, fechando os olhos, exercitando o esquecimento, não posso impedir-me de cotejar os corpos que levo para a cama com o corpo do meu perdido amor, e em todos descubro, nauseado, insuportáveis falhas. A firmeza da pele, a justa cor dos olhos, o riso de troça, com que me repelia, a forma como inclinava a cabeça para me olhar, as pernas altas e longas, a voz de penumbra entre os lençóis.
José Eduardo Agualusa em "AS MULHERES DE MEU PAI"

Sem comentários: