14 de agosto de 2007

Espelhos (VI)

«As dificuldades não eram grandes e cedo timidez e cobardia me ensinaram as vantagens de ser um dos melhores, mas nunca o melhor. Tê-lo-ia conseguido se tentasse? (…) descobri o conforto em que vive o aluno de quem os professores dizem “é bom, mas se estudasse mais…» E para quê? Pelo prazer dos números na pauta? O q eram eles comparados com as horas de tertúlia passadas no Majestic, a espera em frente do Colégio Esperança que segregava raparigas encantadoras e – sobretudo! – ser aceite como fixe pelos colegas? Antes de o estudar em psiquiatria, eu percebera como o sucesso moderado é mais pacífico do que o retumbante. Que não só nos expõe sobremaneira como decreta ser a única saída – cedo ou tarde… - para baixo!»

«Tinha reservado a manhã para a escrita, mas a cobardia já ganhara mais uma etapa da volta à minha vida. Como sempre faço, refugiei-me em automatismos, cuja soma permita chegar ao “agora já não vale a pena” da praxe.»

«Nascido de uma brincadeira, é hoje parte importante da minha vida. De tal forma que um dos “bloguistas” me aconselhava há tempos a fazer férias, a não sentir obrigação de colocar um post todos os dias. Que bem me topou! Por vezes vou buscar um pequeno poema e deixo-o no blog, antes de mergulhar em vale de lençóis. Tentativa de ser gostado? Não só. Também a velha sensação de que não dou às pessoas o que têm direito a esperar de mim. Já o escrevi – sou um psicopata incompetente, pago caríssima a “liberdade”.»

«Para minha surpresa, o afastamento no quotidiano profissional fez a amizade empalidecer. Alguns de nós desleixam quem não encontram todos os dias. Os afectos, longe da vista, resignam-se a exílio silencioso no coração. Onde recitam terços a abarrotar de boa vontade – “um dia destes falo; para a semana sem falta; do Natal não passa”. A amargura desencantada e irreversível que me invadiu não matou o carinho, ficámos amigos. E o verbo “ficar” diz tudo – alguma coisa deixou de crescer entre e dentro de nós, é o passado a unir-nos. Amanhã também será. A amizade não sofre das amnésias interesseiras da paixão.»

«Desistiu de ser amado por todos e começou a fazer os possíveis por merecer o amor de alguns.»

«Por fidelidade a essa utopia catastrófica - quando reina o amor tudo é possível, excepto a separação. Rotundo engano. A vida prova-o todos os dias, mas as pessoas preferem imitar a literatura…»

Júlio Machado Vaz em "O tempo dos espelhos"

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