19 de julho de 2005

Quem fala assim...

É incrível como a televisão tomou conta dos nossos dias. Diga-se o que se disser, já não nos imaginamos sem ela e sem os seus personagens. E faz tão parte do nosso dia que julgamos conhecer as pessoas que nela trabalham, só pelo facto de nos “entrarem em casa” todos os dias.

Rodrigo Guedes de Carvalho é um jornalista que apresenta o jornal da noite na SIC. Nunca gostei muito do seu estilo, sempre fui mais adepto de um José Alberto Carvalho ou de um José Rodrigues dos Santos. E por ele aparecer na Televisão e fazer o seu trabalho de certa forma eu tinha uma certa imagem dele, e não me identificava com ela.

Mas eis que leio uma entrevista do mesmo no DNA (excelente suplemento das sextas-feiras do DN, do qual falarei um destes dias), à jornalista Sónia Morais Santos (igualmente magnífica), e fico a saber que escreveu um livro. E que é um admirador confesso de Lobo Antunes. E que este se disponibilizou para apresentar o livro do jornalista e escritor. E vou ficando agarrado à entrevista à medida que vou lendo coisas como estas:

“(…)Agora, esta coisa do “faz parecer” ou do “soa a” tanto pode ser dita com o intuito de destruir alguém, como para louvar alguém. Recentemente houve um escritor americano de trinta e tal anos que se suicidou. Era um tipo que tinha publicado dois ou três romances de enfiada e então apareceu a crítica a dizer que era uma pena ele ter-se suicidado porque era “o novo Faulkner”, era “o novo Kafka”. A minha pergunta é: em que é que ficamos? Soar a, ser seguidor de, é bom ou mau?
Eles dizem que o tipo era o novo Faulkner como um elogio…Tudo depende, de facto, se um crítico quer destruir um escritor ou se quer tutelá-lo. Se o quer tutelar diz: “Descansemos, aí está o novo Kafka!”. Se o quer destruir diz: “Este gajo não passa de um imitador de Kafka!”

“Tu jogas muito na situação-limite. Quando ela realmente acontece é que tu te revelas. Quando não há teorização possível sobre as coisas é que te revelas. Eu conheço muita gente que gosta muito de efabular sobre o que é que faria em determinada situação. Eu encaro sempre isso com um sorriso. Penso sempre: sabes lá o que é que farias! Sabes lá o que farias se te morresse um filho! Sabes lá o que farias se estivesses numa fila de automóvel e viesse um puto e te partisse o carro todo com um taco de basebol. Não sabes.”

“Depois havia o meu avô, que é uma pessoa central na minha vida. (…) E eu lembro-me de umas tardes chuvosas, em que ele chegava, acendia a lareira, ficava ou a ler o jornal ou a ler um livro e eu ficava ao pé dele também a ler um livro.
Havia tardes em que não trocávamos uma palavra. E eu não te sei explicar, mas eram os períodos mais reconfortantes da minha vida. Nós entendiam-nos assim. E as pessoas não percebiam que as pessoas se pudessem entender assim.
Há muita pressão do diálogo e da conversa. É uma coisa que me faz aflição. Mas porque é que temos de conversar? Conversaremos se for caso disso mas não é drama nenhum se não abrirmos a boca. Nós não estávamos cada um para seu canto. Estávamos juntos, reconfortados com a presença um do outro e entendíamo-nos bem.(…)”

E afinal, até temos alguns pensamentos em comum. E afinal, apesar do estilo do jornalista, o homem tem ideias muito sensatas e sentimentos muito comoventes. E não é que fico cheio de vontade de ler a sua “Casa Quieta”…

Rogério Charraz

3 comentários:

A Burra Nas Couves disse...

Vês como não se deve julgar o livro pela capa? A mim, por vezes acontece-me o contrário, ou seja, ser admirador do trabalho de alguém de quem não gosto. Uma coisa não invalida a outra.

Lusaut disse...

Tão frustrante que é conhecer uma pessoa pública que respeitamos ou até admiramos e descobrir que afinal não preenche as expectativas, tão agradável pode ser descobrir mais do que o esperado numa pessoa da qual não tínhamos grande opinião ou mesmo negativa.
Nos dias que correm, com a velocidade a que a informação circula e com a leviandade com que a mesma é manipulada, com a importância da imagem e o poder do marketing, temos que ter cuidado para não formar uma opinião, tomar uma posição, ou julgar uma pessoa demasiado depressa e principalmente de forma demasiado rígida e definitiva. Assim esta atitude mais cuidadosa permite-nos conhecer melhor uma organização, um projecto ou uma pessoa, as suas ideias e convicções, as suas motivações e objectivos. Assim podemos fundamentar a nossa percepção, definir cuidadosamente a interacção, tentar compreender, tentar influenciar, perdoar ou pedir perdão, em pessoa ou mudando de opinião.

Lusaut disse...

Bem, enquanto eu estava a escrever um romance, o João escreveu e enviou, dizendo praticamente o mesmo em três frases...
;-)