16 de maio de 2005

Regresso ao Passado

Uma das imagens mais marcantes da minha infância é a das viagens quinzenais à Catedral. O meu pai é sócio vitalício do Sport Lisboa e Benfica e durante algum tempo foi titular de um lugar cativo. E eu, como menor de idade, tinha entrada garantida. Aínda hoje guardo na memória todo o ritual. A chegada às imediações do antigo estádio, a procura de estacionamento em lugares estratégicos que nós conhecíamos, o percurso em passo acelerado para não perder pitada...
Depois subiam as equipas para o aquecimento, e nós a descortinar o onze inicial, alvo imediato da nossa análise de entendidos na matéria. "Afinal joga o Cicrano! Fulano não está no banco! Então este gajo deixa de fora o Beltrano?!".
Vestidos os fatos de gala, eis os nossos craques a subir ao relvado ao som do hino "Sou do Benfica, e isso me envaidece...", recebidos de pé e com aplausos.
A bola a rolar, o nervoso miudinho, a experiência que nos fazia prever aos primeiros minutos se a tarde era de alegria ou de sofrimento. A falta mal assinalada devidamente castigada pelo nosso pior vernáculo, a dura entrada do adversário sobre o nosso menino a introduzir a mãe do agressor na conversa, a bola na poste, o fora de jogo e.........GOLO!
Aínda o árbitro não concluíu o terceiro apito seguido, já o meu pai me faz sinal para dar corda ao sapato, sempre na tentativa de fugir às aglomerações de gente. Novamente em passo apressado, vamos soltando os nossos veredictos finais. "A jogar assim nunca mais lá vamos, estes guarda-redes vêem à luz fazer os jogos da vida deles, com mais vontade ainda tínhamos marcado mais um ou dois, este árbitro parecia mesmo encomendado", tudo coisas que nunca perdem actualidade.
Chegados ao carro, é pôr o motor a trabalhar e ligar o rádio para o rescaldo. Enquanto percorríamos o velhinho caminho que desembocava no IC19, escutávamos as declarações dos treinadores, o comentário dos jornalistas, as contas da jornada. "Para a semana vamos onde? Epá, esses tipos são tramados em casa..."
Todas estas lembranças me assaltaram no Sábado. Não sei quantos anos passaram, mas fazia muito tempo que não ia com o meu pai ao Estádio da Luz. Com ele, naquele estádio, vivi momentos de completo êxtase e verdadeiras amarguras que me ensinaram que a moeda tem duas faces. O momento mais delirante foi a famosa mão de Vata. Estávamos mesmo atrás daquela baliza e agarrei-me a gente que nunca tinha visto na vida. Fomos os dois várias vezes pisar o relvado, privilégio que era concedido aos sócios no último jogo, quando éramos campeões. Foi com ele que aprendi a amar este clube. É uma das heranças que ele me lega. O meu pai fez anos no Domingo. O golo do Luisão foi a minha prenda...
Rogério Charraz

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