15 de março de 2012

Comunicado

Por acreditar que errar é humano, e reconhecer os próprios erros digno, decidi apresentar publicamente este reparo a uma injustiça que cometi com José Carlos Vasconcelos, embora de forma inconsciente. Passo a contar o sucedido da forma mais sucinta que me for possível:

A canção "E contra a dita a gente grita" foi composta em dois tempos, com alguns anos de separação pelo meio. Por volta de 1997/98, não me recordo onde nem em que circunstâncias, surgiu-me a ideia de fazer uma canção cujo refrão fosse
"a dita dura, e contra a dita a gente grita!"
numa clara alusão ao facto de, apesar de termos derrotado a ditadura de Salazar, ainda estarmos muito longe de viver num sistema justo e equilibrado. Lembro-me também de ter imaginado uma introdução com uma base de percussão e um coro "à Fausto" a cantar
"a dita rói, a dita mói, a dita dói, e contra a dita, a gente grita!".

Esta ideia ficou-me na cabeça, mas deixei-a na "gaveta", até porque na altura ainda fazia parte do grupo Boémia, cujas letras eram escritas por outro elemento.

Há cerca de 3/4 anos, foram-me pedidas várias canções para um grupo que ia gravar um disco, produzido por um amigo meu. Como achei que este tema seria apropriado ao trabalho em causa, decidi voltar a pegar na ideia, e construir o resto da letra baseada nos problemas da actualidade. Foi assim que surgiu a canção, que foi primeiro gravada pelo grupo Haja Saúde, depois apresentada por mim no Festival Cantar Abril (Almada) e mais tarde incluída no meu disco "A chave", com o acrescento de um texto escrito pelo Pedro Branco e interpretado pelo José Mário Branco.

Acontece que há poucas semanas fui confrontado com o facto de José Carlos Vasconcelos ter escrito um poema chamado "A dita dura", que creio ter sido publicado nos anos 70, tendo chegado a ser censurado pelo antigo regime. Quando tomei conhecimento procurei na internet o dito poema, e ao lê-lo percebi claramente que a minha ideia terá sido inspirada neste poema, embora continue sem me lembrar onde e quando me terei cruzado com ele pela primeira vez.

Mas pelas semelhanças na escolha das palavras e da ideia base, não me restam dúvidas que a minha canção é inspirada neste belíssimo e brilhante poema. Claramente a minha memória pregou-me uma partida e levou-me a cometer a injustiça de não ter ficado registado este facto na primeira edição de "A chave".

Feito o esclarecimento, gostaria de publicamente apresentar as minhas desculpas a José Carlos Vasconcelos pela omissão (já tive a oportunidade de o fazer por telefone), e assumo o compromisso de nas próximas edições do disco fazer a devida referência.

Para terminar, gostaria de deixar bem claro que foi um erro inconsciente, que nunca tive a intenção de plagiar ou de me apropriar do trabalho e da criatividade do autor, e muito menos de faltar ao respeito ao poeta em causa.

15 de Março de 2012

Rogério Charraz

Os textos em causa:

A DITA DURA

A dita mói
A dita rói
A dita dói

E contra a dita
Um povo grita

Mas a dita dita
Sempre a sua razão
Sua palavra é escrita
e a do povo não

E contra a dita
Homens encontram a morte
Não dizem sim à dita
Por a dita ser mais forte

Mas a dita é que data
o ovo a casa e a hora
precisa implacável exacta
não lhe importa quem chora

E contra a dita
um povo grita

Mas a dita é quem dita
o que é e os que são
por si a lei é escrita
e pelo povo não

E com mais tintura
Ou mais brandura
Ou mais censura

A dita dura

E a dita mói
a dita rói
a dita dói

E contra a dita
um povo grita

José Carlos De Vasconcelos

(Retirado daqui)

E CONTRA A DITA, A GENTE GRITA!
Letra e Música: Rogério Charraz
Texto: Pedro Branco

A dita rói
A dita mói
A dita dói
E contra a dita a gente grita!

No tempo da outra senhora
Só havia p`ró jantar
E agora? Só me apetece chorar!
É o Juro que sobe
Ai meu Deus, quem me acode
Quem me tira do buraco
Quem me livra do contrato
Que assinei p`ra pagar
O que não posso comprar…

No tempo da outra senhora
Todos cantavam o hino
E agora? É tudo a fazer o pino!
A bandeira na janela
Da barraca da favela
Chamada bairro social
Para não soar tão mal
Neste novo português
Onde se “kapam” os quês

A dita dura
A dita dura
E contra a dita a gente grita!
E contra a dita a gente grita!

No tempo da outra senhora
Não se podia falar
E agora? É tudo a desconversar
Na TV do momento
Jornal é entretenimento
Concurso? Humilhação
Futebol até mais não
E não perca a novela
Enquanto aperta a fivela

No tempo da outra senhora
Não havia oposição
E agora? Ninguém percebe quem são.
Do que ontem era ideia
Para curar desgraça alheia
Hoje só resta a desculpa
E o ónus dessa culpa
Que com tanta parceira
Ainda acaba solteira

A dita dura
A dita dura
E contra a dita a gente grita!
E contra a dita a gente grita!

A dita é dor que nos mói, que nos rói
Mais um dia, mais um passo, o cansaço
Mais um calo e não calo
Mais um pouco desta pele
Mais um pouco desta alma
Que hoje a dita continua a ser dita
E dura, cada vez mais dura
E é por isso que a gente se agita
Com a cor de quem ama
Com a voz de quem canta
Com o peso da revolta
Que esta dita, NÃO PASSARÁ!
Porque não há dita que nos pare o bater do coração
Não há dita que nos tire o calor da nossa mão
E contra a dita a gente grita!



Dizia a outra senhora
“Orgulhosamente sós!”
E agora? Em que Europa estamos nós?
Quotas na agricultura
Défice cravado na cintura
A factura por cobrar
Subsídios que gastámos
Dinheiro que esbanjámos
E que havemos de pagar

A dita dura
A dita dura
E contra a dita a gente grita!
E contra a dita a gente grita!

A dita rói
A dita mói
A dita dói
E contra a dita a gente grita!

1 comentário:

Maria disse...

É por estas e por outras que eu gosto tanto de ti!
Não conhecia o poema de José Carlos Vasconcelos.

Beijo-te.