31 de maio de 2011

Novas oportunidades...

Chegou-me por e-mail, e vale a pena difundir:

Novas Oportunidades - o embuste

Começo por informar que não sou, nunca fui e não serei eleitor votante
no PSD. Situo-me num espectro político-ideológico completamente diverso,
portanto a razão do meu contacto não tem qualquer motivação partidária.
Simplesmente acho que este assunto é demasiado sério para ser tratado
apenas como uma guerra de palavras entre dois partidos candidatos ao
governo.

Fui formador de informática durante 17 anos, actividade que deixei de
exercer a tempo inteiro em Agosto passado, quando ingressei na
Administração Pública, mas nos últimos anos tive a infeliz oportunidade
de conhecer a realidade da formação nas Novas Oportunidades. "Infeliz"
porque pude verificar que se trata de um completo embuste. Em 17 anos de
actividade e com mais de 12.000 horas de formação ministrada, a única
vez que tive vontade de abandonar um curso foi nas Novas Oportunidades.

De facto, o modo como estes cursos estão estruturados é mau demais para
ser verdade, e quem não conheceu a situação no terreno nem imagina a
tragédia que aquilo é. E é este o motivo que me leva a entrar em
contacto convosco: para dar o testemunho de quem teve a desdita de
ministrar cursos das Novas Oportunidades.

1. O primeiro foi num centro de emprego na região de Lisboa.
Pretendia-se certificar os formandos com qualificação equivalente ao 6º
ano, num curso qualificado como B2. Coube-me ministrar 100 horas de
informática, onde se deveria incluir módulos de Word, Excel, PowerPoint
e Internet. As dificuldades começaram logo na utilização do próprio
computador, porque a formação de base da maioria dos 10 formandos era
tão rudimentar que vários deles nem o seu próprio nome de utilizador e
respectiva "password" conseguiram fixar durante aquelas 100 horas.

Começando com o módulo de Word, a avaliação foi quase desastrosa por
vários motivos: os conhecimentos de português eram quase nulos em vários
dos formandos; houve quem não conseguisse escrever sequer um parágrafo
completo durante aquele tempo; havia quem conseguisse dar dois erros
ortográficos na mesma palavra.

No módulo de Excel, as coisas foram piores, de tal forma que ao fim de 3
sessões desisti de continuar com aquele módulo. Era impossível fazê-los
perceber como calcular esta coisa simples: se fossem à bomba de
gasolina, abastecessem 25 litros e cada litro custasse 1,2 €, quanto
gastariam? Este era o cálculo mais simples que se poderia executar numa
folha de cálculo, mas primeiro era preciso que percebessem o raciocínio
do cálculo. Impossível.

Só no PowerPoint e na Internet é que se conseguiu que a generalidade dos
formandos fizessem algum trabalho visível. Mesmo assim, o panorama geral
era francamente desolador. Cheguei a falar com os professores de
português e matemática para perceber se aquela tragédia era mesmo o que
parecia, o que me foi confirmado. Na altura a minha filha estava no 5º
ano, e tinha mais conhecimentos que qualquer um deles.

Os problemas não se ficavam por aqui. Em termos pessoais as coisas ainda
eram mais difíceis. Um dos formandos era alcoólico e trabalhava zero.
Chegava às aulas alcoolizado e era incapaz de acompanhar qualquer
assunto. Outro tinha estado preso por tráfico de droga. Outro era um
jovem de 19 anos que se gostava de exibir nas aulas a dizer que era gay.
Outra, com 55 anos, andava sempre atrelada a este e era ele que lhe
fazia os testes, porque ela deixava de trabalhar quando ele estava
próximo, enquanto nos intervalos aproveitavam para dar umas passas.
Outra ainda dizia ser doente e faltava constantemente, chegava tarde e
saía cedo porque tinha de apanhar o autocarro, e saía constantemente da
sala para tomar comprimidos porque estava cheia de dores.

Como as minhas aulas eram quase sempre nos últimos dois tempos, das 18
às 20 horas, eles queriam sair mais cedo não havendo intervalo. Mas como
eram os últimos tempos, antes iam jantar ao refeitório, donde resultava
que por vezes entravam na sala às 18:30 e às 19:30 queriam ir-se embora.
No meio de tudo, o que verdadeiramente os preocupava era quando iriam
receber o subsídio...

No final de tudo aquilo, como profissional que leva o seu trabalho a
sério, fiz um relatório de avaliação onde indiquei que 3 dos formandos
não iriam ser aprovados porque não tinham os conhecimentos mínimos para
tal. Perante isto fui contactado pela pessoa coordenadora do curso, que
me pediu por favor para os passar, pois se não o fizesse eles não
poderiam receber o diploma. Acedi contrariado mas elaborei uma
informação a justificar o meu desacordo e senti que estava a colaborar
numa farsa.

Posteriormente voltei ao mesmo centro de formação para frequentar uma
acção de actualização do CAP (Certificado de Aptidão Profissional), onde
a formadora era uma colega que também tinha sido formadora do mesmo
curso. Informou-me que o tal formando alcoólico estava agora a
frequentar outro curso das Novas Oportunidades para obter o 9º ano! Eu
nem queria acreditar. O homem é quase analfabeto!

2. Depois desta tragédia, fui convidado por uma empresa de
formação para ministrar um curso do mesmo género fora de Lisboa, neste
caso para um nível equivalente ao 9º ano. Foram-me atribuídos dois
módulos, introdução à informática e PowerPoint, em dias alternados. Fui
eu que abri o curso, e durante 7 horas no primeiro dia estive a falar de
conceitos gerais de informática e de utilização do computador, de
arrumação de pastas e ficheiros.

Qual foi a minha surpresa quando verifiquei que no segundo dia iria
outro formador dar Excel, no terceiro dia iria outra formadora dar Word
e no quatro dia voltaria eu, para continuar a falar de pastas e
ficheiros! Pensei para mim próprio: onde eu vim cair! Como é possível
que um curso seja estruturado desta forma? Que lógica de aprendizagem é
esta? Quem estabelece este calendário? Como se admite que num dia se
fale de pastas e ficheiros e no dia seguinte se esteja a falar de folha
de cálculo sem ainda se ter explicado no módulo inicial como se criam
pastas?

E de quem é a responsabilidade desta amálgama? Quem propõe este
calendário e quem o aprova? Será a empresa formadora que propõe, ou
serão os responsáveis que, sentados num gabinete e sem qualquer noção do
que é uma acção de formação, determinam que um formador não pode dar
mais do que 7 horas seguidas na mesma turma, e por isso tem de se
misturar módulos diferentes com formadores diferentes sem qualquer
lógica nem critério?

3. Num terceiro caso, o objectivo já era certificar o 12º ano. Uma
das participantes era também uma jovem com 19 anos a quem perguntei
porque não ia fazer o 12º ano numa escola. Resposta: porque aqui é mais
fácil.

Apesar de tudo estes eram mais empenhados, embora deixassem alguns
comentários em tom incomodado como "o quê, temos de fazer uma
avaliação?"

Mas o programa do curso... oh céus! Como é possível, como, elaborar
programas como aqueles? Consulta-se o conteúdo programático dos vários
módulos das UFCD (unidades de formação de curta duração), e vemos estas
pérolas:

· Informática - evolução
25 horas

· Arquitectura de computadores
50 horas

· Gestão e organização da informação
25 horas

· Sistemas operativos
50 horas

· Sistemas operativos multitarefas
50 horas

· Sistemas operativos utilitários complementares 25
horas

Daria vontade de rir se não fosse trágico. Como é possível elaborar 3
módulos de sistemas operativos, a par com um de gestão de ficheiros ,
ter formadores a falar das mesmas coisas durante 50 horas em módulos
supostamente diferentes? Pergunto eu: alguém faz ideia do que está a
fazer quando elabora estes módulos?

Vale a pena consultar estes conteúdos:

http://www.catalogo.anq.gov.pt/UFCD/Detalhe/736

http://www.catalogo.anq.gov.pt/UFCD/Detalhe/737

http://www.catalogo.anq.gov.pt/UFCD/Detalhe/738

Alguém que perceba como é que se diferencia uns dos outros, e que
justificação existe para fazer disto módulos de 50 horas. Quem são os
crânios, sentados atrás duma secretária e sem ter qualquer noção do que
é a formação, que determinam que os módulos têm todos de ser em
múltiplos de 25 horas? E pedagogicamente, qual é a lógica subjacente? Se
as aulas são normalmente de 3 horas ou 3 horas e meia, como se faz um
calendário com pés e cabeça de modo a completar 25 horas? Não têm sequer
a noção básica de que as durações deviam ser em múltiplos de 3? Quem é
que é pago para conceber esta miséria?

E o que são os sistemas operativos utilitários complementares? São 25
horas para ensinar a utilizar um antivírus e compactar de descompactar
ficheiros com um programa do tipo WinZip. 25 horas para isto? Era como
se criassem um módulo para ensinar a atarraxar lâmpadas: explicava-se
numa hora e depois ficava-se 24 horas e roscar e desenroscar a
lâmpada...

É isto que resulta das Novas Oportunidades: andar a "certificar"
analfabetos que na sua maioria não estão minimamente interessados em
aprender o que quer que seja, querem sim ter um diploma que ateste que
têm o 9º ou o 12º ano, mas que quando forem para o mercado de trabalho
irão mostrar a sua total ignorância. Como me podem "obrigar" a passar
pessoas como tendo competências informáticas quando nem um parágrafo
conseguem escrever? E o meu nome fica associado a uma vigarice destas a
troco de quê? Por que carga de água é que eu hei-de dizer que aquelas
pessoas têm competências que não têm?

De facto, seria bom que alguém fizesse uma auditoria (mas a sério, não a
fingir) à seriedade das Novas Oportunidades. Pessoalmente considero,
mais que um embuste, um roubo que se está a fazer aos portugueses apenas
para mascarar estatísticas com pseudo-qualificações que, objectivamente,
as pessoas não têm.

No fim da minha colaboração com este programa, para além da frustração
perante a inutilidade daquilo que estive a fazer, sobreveio
principalmente uma enorme indignação por verificar que estava a assistir
a um desbaratar de recursos de forma totalmente inútil e da qual não
advém qualquer mais-valia para o país.

Estou à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais que
considerem necessários. Acrescento que uma cópia deste e-mail vai ser
enviada para todos os grupos parlamentares, uma vez que vi a notícia de
que o assunto vai ser discutido no parlamento. Espero que o meu
testemunho ajude a esclarecer os espíritos.

Com os melhores cumprimentos

Mário Feliciano


Uma opinião de quem esteve por dentro...

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