5 de setembro de 2007

Zita Seabra

Excertos da entrevista concedida por Zita Seabra à jornalista Sara Belo Luís, publicada na revista Visão da semana passada, a propósito do lançamento do livro de «memórias políticas» intitulado Foi Assim.


(…) Aliás não era apenas em relação às mulheres que o PCP era extremamente conservador. Lembro-me do caso de Ary dos Santos que morreu com o desgosto de não ser militante do PCP por causa de ser homossexual assumido.

(…) Quando melhorei, fui autorizada pelo médico a ir à Suiça onde o meu marido tinha ido a um congresso médico. Foi aí que fui ver o mundo normal, foi aí que comecei a ler outros jornais, foi aí que comprei o primeiro livro de Soljenitsine. Sim, é verdade, a doença fez-me dar importância a coisas sobre as quais, até aí, nem sequer tinha tempo para pensar nelas.

(…)

Não é um livro azedo?
Não, não é. Nem podia ser porque o comunismo é um totalitarismo terrível que deixou milhões de vítimas mas, simultaneamente, é também a heroicidade de quem combateu pela liberdade, pelo povo e pelos trabalhadores. Porque é preciso ser-se um grande herói para dar a vida por essa luta, para se estar preso 21 anos como muitos estiveram. Agora, nunca lá estive sem saber onde estava, sempre soube das consequências daquela ideologia. E acho muito desonesto que, em Portugal, as pessoas saiam com a “boa” herança, deixando a “má” ao Cunhal, ao PCP e ao PCUS.

(…) Mas eu só passei a ser livre quando me confrontei com o meu passado.

(…) Tenho orgulho por ter lutado pela liberdade em Portugal e, simultaneamente, tenho a noção exacta de onde estive metida e dos perigos que Portugal correu por isso mesmo. Se eu tenho ganho, teria sido uma tragédia. Felizmente, que fomos derrotados no dia 25 de Novembro de 1975.

(…) Fiquei muito contente por ter sido Mário Soares a apresentar o meu livro porque, em certo sentido, Foi Assim também o homenageia. A ele que nos derrotou no 25 de Novembro, que fez as eleições para a Assembleia Constituinte, que conduziu a adesão de Portugal à Europa. Se hoje temos uma democracia pluripartidária estabilizada, devemo-los a Mário Soares.

(…) Cunhal não era o ultimo dos moicanos como aquele oficial japonês que, 25 anos depois, é encontrado na mata a achar que o Japão ainda estava em guerra. Cunhal era um homem inteligente e percebeu que o comunismo acabou. E abandonou o PCP, e reformou-se.

(…)

Porque é que nunca fala da sua aproximação à religião católica?
Porque nunca falo da minha vida privada. Tal como nunca deixo que me tirem fotografias em minha casa. O foro privado não é para se exibir na praça pública e eu sei que pago um preço muito elevado por defendê-lo. Termino o meu livro em 1989 e desde então a minha vida não tem mais nada que contar.

Mas o facto de se ter convertido também deveria fazer parte do seu testemunho.
Não gosto de falar da minha vida privada no espaço público.

Os comunistas também nunca gostaram.
Se calhar, o PCP deixou-me esse legado.

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