17 de abril de 2006

Lido e recomendado...

"O Mayombe começa com um comunicado de guerra. Eu escrevi o comunicado e...o comunicado pareceu-me muito frio, coisa para jornalista, e eu continuei o comunicado de guerra para mim, assim nasceu o livro." - Pepetela.


Acabei de ler este livro intitulado "Mayombe", escrito em 1970/71 pelo angolano Pepetela, e que me veio parar às mãos através de uma reedição da Dom Quixote em parceria com a revista Visão. Fiquei tão fascinado pela escrita e pela história que me apeteceu partilhar convosco alguns trechos do livro, para vos abrir o apetite:

"Perdi Manuela para ganhar o direito de ser «talvez», café com leite, combinação, híbrido, o que quiserem. Os rótulos pouco interessam, os rótulos só servem os ignorantes que não vêem pela coloração qual o líquido encerrado no frasco."

"Já te disse que uma mulher deve ser conquistada permanentemente - disse Sem Medo*. - Não te podes convencer que ela ficou conquistada no momento em que te aceitou, isso erra só o prelúdio. O concerto vem depois e é aí que se vê a raça, o talento, do maestro. O amor é uma dialéctica cerrada de aproximação-repúdio, de ternura e imposição. Senão cai-se na rotina, na mornez das relações e, portanto, na mediocridade. Detesto a mediocridade! Não há nada pior no homem que a falta de imaginação. É o mesmo no casal, é o mesmo na política. A vida é criação constante, morte e recriação, a rotina é exactamente o contrário da vida, é a hibernação. Por vezes, o homem é como o réptil, precisa de hibernar para mudar de pele. Mas nesse caso, a hibernação é uma fase intensa de auto-escalpelização, é pois dinâmica, é criadora. Não a rotina. Evita a rotina no amor, as discussões mesquinhas sobre os problemas do dia-a-dia, procura o fundamental da coisa."

"Discutir para quê? - pensou Sem Medo*. Desenterrar o que já morreu. Os homens gostam de se flagelar com o passado e nunca se sentem contentes sem o fazer. É a incapacidade de pôr uma pedra sobre um facto e avançar para o futuro. Há outros, no entanto, os que não sabem gozar a vida, que só vêem o futuro. Incapacidade de sofrer ou gozar uma situação. Se sofrem, consolam-se, pensando que o amanhã será melhor. Se são felizes, temperam essa felicidade pela ideia de que ela acabará em breve. Eu vivo o presente; quando faço amor, não penso nas vezes que não encontrei prazer, ou que será necessário lavar-me a seguir."

"O contrário da vida é o imobilismo - disse Sem Medo*. - No amor é a mesma coisa. Se uma pessoa se mostra toda ao outro, o interesse da descoberta desaparece. O que conta no amor é a descoberta do outro, dos seus pecadilhos, das suas taras, dos seus vícios, das suas grandezas, os seus pontos sensíveis, tudo o que constitui o outro. O amante que se quer fazer amar deve dosear essa descoberta. Nem só querer tudo saber num momento, nem tudo querer revelar. Tem de ser ao conta-gotas. E a alma humana é tão rica, tão complexa, que essa descoberta pode levar uma vida."

* Sem Medo é o nome de uma das personagens principais da história.

PS1: Quem quiser saber mais do livro pode visitar esta página.

PS2: Se houver por aí alguém interessado em ler o livro, tenho todo o gosto em empestar. Afinal, os bons livros não foram feitos para enfeitar com pó as prateleiras...

1 comentário:

zmsantos disse...

É o mundo dos sentimentos, das emoções, envolto na atmosféra da guerrilha em Angola.É talvez, a primeira crítica ao cúlto da personalidade dentro do MPLA. Já li o livro, há bastante tempo e ainda hoje lhe sinto as marcas.
Os escritores africanos trazem dentro de si a magia, o esoterismo e a beleza daquelas latitudes. Estou-me a lembrar de outro que gosto muito, Mia Couto.

Abraço