31 de agosto de 2005

Turcomenistão

O meu caríssimo amigo Nuno Paixão teve a gentileza de me alertar para esta notícia do DN. Uma verdadeira pérola...

«O líder que promete vacas em troca do poder absoluto

O DN termina hoje uma série de artigos sobre os protagonistas políticos que ocupam há mais de 20 anos a primeira linha da luta pelo poder. Durante Agosto, o DN divulgou o percurso destas personalidades, desde primeiros-ministros a líderes religiosos, dando pistas para entender as razões da sua longevidade. Esta série encerra hoje com o perfil do líder do Turcomenistão.

Saparmurat Niyazov faz lembrar Willy Wonka, mas sem o chocolate. Também ele, à semelhança da personagem criada por Roald Dahl, se fechou ao mundo na sua "fábrica de proibições", senhor absoluto de um país que dá pelo nome de Turcomenistão. Com um narcisismo delirante, tem paulatinamente transformado a antiga república soviética numa das maiores anedotas da cena internacional.

Cada ordem, cada gargalhada, a fazer fé nos analistas. Senão vejamos. Baniu os rádios dos carros para não corromper os espíritos. Proibiu a ópera e o ballet, manifestações artísticas ao arrepio do que afirma serem as tradições populares do seu povo. Mandou fechar umas quantas livrarias, porque, a bem dizer, explicou, ninguém lê. Decidiu erigir um palácio de gelo no deserto. Prometeu a todos os seus concidadãos uma vaca e um bezerro. Ordenou o encerramento dos hospitais de província, só mantendo em funcionamento o da capital, após ter sido operado às cataratas por médicos vindos expressamente da Alemanha. Apareceu na televisão, escanhoado, proibindo os jovens de usarem barbas compridas , alegadamente para combater o terrorismo, apesar de não ter avançado razões. Despediu milhares de enfermeiras e substituiu-as por mance- bos. Demitiu ministros e autar- cas por "trabalharem pouco", nomeando outros à experiência.

Mas há mais, muito mais. No Turcomenistão, qualquer esgar mais desdenhoso é rapidamente "apanhado" pelas câmaras de vigilância que mandou instalar um pouco por todo o lado. Fumar na rua, por exemplo, nem pensar. Apesar de, às vezes, apetecer, tamanha a overdose de imagens do "Paizinho dos Turcomanos" - em cartazes; estátuas, algumas folheadas a ouro; murais e por aí fora - espalhadas pelas ruas do país. Algo que o fez confessar, magnânimo "Sou pessoalmente contra o facto de ver as minhas imagens e estátuas nas ruas, mas é isso que o povo quer."

Cioso do poder que exerce desde 1985, ordenou a detenção de centenas de homens que suspeitava quererem matá-lo. O respectivo julgamento foi transmitido pela televisão, com os advogados de defesa, antes das alegações iniciais, a pedirem desculpa por estarem a exercer aquela função e os réus, com ar alucinado e a voz entaramelada, a dizerem "sim, somos uns vermes".

Estabeleceu um novo calendário e, sessentão, redefiniu a distribuição etária. É assim infância (até aos 13 anos), adolescência (até aos 25), juventude (até aos 37), maturidade (até aos 49), a idade do profeta (dos 49 aos 62), a idade da inspiração (dos 62 aos 73), a idade das barbas brancas (dos 73 aos 85), velhice (85-97) e idade de Oguz Khan, antigo líder dos antepassados dos turcomanos (97-109 anos). Niyazov está, desde 2000, na idade da inspiração. O calendário também passou a ser vivido à sua imagem. A abrir, Janeiro deixou de o ser, passando a mês de... Saparmurat Niyazov. Abril e Maio são, respectivamente, os meses da Mãe e do Pai (não de todos, apenas os do Presidente). Há também o mês da Bandeira. E o mês da Independência.

Mas a sua verdadeira pièce de résistance dá pelo nome de Rukhanama. Trata-se de um "guia espiritual" destinado a "remover as complexidades e as angústias do quo- tidiano". De leitura obrigatória. Pior, compulsória. Para, fez saber, emparceirar com o Corão e a Bíblia. Escreveu-o entre 1997 e 2001. Dois anos depois, misteriosamente, um mufti, Nasrullah ibn Ibadullah, foi preso e condenado a 22 anos de prisão. Não se conhecendo muitos pormenores da acusação, sabe-se, pelo menos, que levantou objecções a que escrevessem frases do Rukhanama nas paredes das mesquitas e recusou declarar que o Presidente era "o profeta de Deus"...

Criado num orfanato (entretanto transformado em local de romaria), após a morte dos pais, engenheiro de formação, casado com uma russa, Niyazov filiou-se no extinto Partido Comunista da União Soviética (PCUS) em 1963. Em 1985, Mikhail Gorbachev escolheu-o para secretário-geral do PC do Turcomenistão. Em 1992 "venceu", sem adversários, as primeiras presi-denciais. Em 1999, os ministros e os deputados que escolhera a de- do "ofereceram-lhe" a Presidên- cia vitalícia. Em 2004, reiteraram a "súplica", após Niyazov ter admitido um cenário de eleições em 2008 ou 2009. "Foste-nos enviado por Deus", disseram-lhe. E ele acreditou.»


Rogério Charraz

1 comentário:

Cravo a Canela disse...

Muito obrigado, Chris. Mas já agora, tu falas português?

Rogério Charraz